17.2.23

Anna Akhmatova

                                               

                                             Coragem

 

Sabemos o que agora é ambíguo

E o que agora se cumpre.

Os nossos relógios indicam a hora da coragem,

E a coragem não nos abandonará.

Não aterroriza cair sob as balas.

Nem amarga ficar sem tecto.

E tomaremos conta de ti, língua russa,

Imensa palavra russa.

Levar-te-emos livre e pura,

Legá-la-emos aos nossos descendentes,

Salvar-te-emos da reclusão.

        Para sempre.

 

23 fevereiro 1942

Tachkent

 

Anna Akhmatova, Requiem. Poème sans héros et autres poèmes, trad. Jean-Louis Backès, Poésie / Gallimard, Paris, 2020, p. 213. A tradução é minha, JFG.

12.2.23

Marina Tsvétaeva

  

Amiga

 

1.

 

É feliz? Nunca mo disse.

Talvez seja melhor assim.

Beijou tantos outros –

donde essa tristeza.

 

Vejo, em si, todas as heroínas

das tragédias de Shakespeare.

Você, infeliz dama, nunca foi

salva por ninguém.

 

Cresceu no cansaço de repetir

as palavras usuais do amor!

Um anel de ferro numa mão exangue

é mais expressivo.

 

Amo-a – como uma tempestade que rebenta

por cima da cabeça – devo confessá-lo;

além disso com ferocidade porque você arde

e morde, e acima de tudo

 

porque as nossas vidas secretas tomam

vários caminhos diversos:

sedução e destino sombrio

são a sua inspiração.

 

A si, meu aquilino demónio,

peço desculpa. Num clarão –

como se sobre o caixão – percebi

que sempre fora demasiado tarde para a salvar.

 

Até tremendo – talvez

sonhe – aí

persiste uma ironia encantadora:

para si, não para ele.

 

(16 Outubro 1914)


Nota: este ciclo de poemas amorosos, intitulado Podruga (Amiga), remete para a breve ligação amorosa entre Marina Tsvétaeva (1892-1941) e Sophia (Sonya) Parnok (1885-1933), poeta, jornalista, tradutora. Sigo a tradução de Elaine Feinstein (Bride of Ice. Select poems, Carcanet Classics, Manchester, 2023) depois de a confrontar com a edição de Zéno Bianu (Insomnie et autres poèmes, Poésie / Gallimard, Paris, 2013), obra de vários tradutores.

8.2.23

Ingeborg Bachmann

 

«Eu.»

[…]

 

2.

 

A escravidão, não a suporto

Eu sou sempre eu

Algo quer vergar-me

Prefiro quebrar.

 

Venha a rudeza da sorte

Ou do poder humano

Eis-me, sou assim, fico

E fico assim até às minhas últimas forças.

 

É por isso que eu sou sempre apenas um

Eu sou sempre eu

Se me ergo, ergo-me demasiado alto

Se caio, caio por inteiro.

 

Ingeborg Bachmann, Toute personne qui tombe a des ailes (Poèmes 1942-67), ed. bilingue, trad. Françoise Rétif, Poésie / Gallimard, Paris, 2015, p. 45. A tradução é minha, JFG.


Safo


«Morrer é um mal.
Assim o julgaram os deuses.
Porque morriam.»

{Safo nasceu c. 612 a.C].

Sapphô, Odes et fragments, ed. bilingue, trad. Yves Battistini, Poésie / Gallimard, Paris, 2021, [201]. A tradução é minha, JFG.