Amiga
1.
É feliz? Nunca mo disse.
Talvez seja melhor assim.
Beijou tantos outros –
donde essa tristeza.
Vejo, em si, todas as heroínas
das tragédias de Shakespeare.
Você, infeliz dama, nunca foi
salva por ninguém.
Cresceu no cansaço de repetir
as palavras usuais do amor!
Um anel de ferro numa mão
exangue
é mais expressivo.
Amo-a –
como uma tempestade que rebenta
por cima da cabeça – devo
confessá-lo;
além disso com ferocidade
porque você arde
e morde, e acima de tudo
porque as nossas vidas secretas
tomam
vários caminhos diversos:
sedução e destino sombrio
são a sua inspiração.
A si, meu aquilino demónio,
peço desculpa. Num clarão –
como se sobre o caixão –
percebi
que sempre fora demasiado
tarde para a salvar.
Até tremendo – talvez
sonhe – aí
persiste uma ironia
encantadora:
para si, não para ele.
(16 Outubro 1914)
Nota: este ciclo de poemas amorosos,
intitulado Podruga (Amiga), remete para
a breve ligação amorosa entre Marina Tsvétaeva (1892-1941) e Sophia (Sonya)
Parnok (1885-1933), poeta, jornalista, tradutora. Sigo a tradução
de Elaine Feinstein (Bride of Ice. Select poems, Carcanet Classics, Manchester,
2023) depois
de a confrontar com a edição de Zéno Bianu (Insomnie et autres poèmes, Poésie /
Gallimard, Paris, 2013), obra de vários tradutores.