Este fotograma de um filme de Godard, com uma citação de Montaigne sobre o rosto de Anna Karina, leva-nos a pensar que 1. há um rosto que se esconde num claro-escuro, matricial que foi na pintura renascentista, enquanto cabelo e pescoço acabam por se iluminar, ficando, todavia, o rosto na penumbra, como acontece ao espectador de cinema - e é um rosto que fala, mesmo estando mudo, é um rosto, melhor, são os lábios o portador quer da palavra quer do outro; assim, 2. este rosto é portador da palavra de Montaigne, a saber: dá-se a si mesmo enquanto toca fugazmente o outro, dir-se-ia pela rama, outra palavra para pele. Daí, a melancolia deste fotograma nascer do encontro da pele, a da mulher, que por acaso é uma actriz, Anna Karina, e de uma frase, uma frase absoluta no absoluto do eu, uma frase dos diários de Montaigne. Ora, um diário é, sempre o foi, aliás, uma peregrinação interior - tão interior quanto o rosto fechado da mulher. Assim, tudo aqui é contraste: claro-escuro, eu-outro, interior-exterior. No limite, pneuma, como diziam os gregos do que havia de ser a alma do texto crístico, corpo.
