Antes de O vale da estranheza (2021), Catarina Costa publicou Essas alegrias violentas (2020), ambos uma edição da Companhia das Ilhas. Aí, partindo de uma epígrafe de Barthes, tirada de Fragments d'un discours amoureux, acerca da luta (em grego: polemos) entre o amado-não-amado e o amante-que-ama-o-amado, CC constrói núcleos temáticos sobre o tempo, o tédio, a morte, o amor - temas constantes de puro esfacelamento (esfacelar é, eventualmente, preferível a luta, a polemos) na dobra do poema. Aliás, esse esfacelamento, que mais não é do que eco (lembremos Narciso, o amador e o amado) efémero e tardio («a minha réplica às tuas palavras esgota-se no eco», p. 34), vai-se agudizando ao longo do livro: da p. 11, por exemplo, à p. 14, à p. 23, à p. 27, à p. 33, à p. 40, às pp. 48 («e já não sabemos sequer qual de nós seria o consolador / e qual seria o consolado») e 49 («e por mais que galopem / nunca chegarão a pisar a terra a partir da qual / já não tenham de superar mais provas, / onde possam repousar por fim / na imanência da sua condição, / dormindo de pé com as quatro patas / ancoradas ao fundo do solo que lhes pertence»). E se O vale da estranheza é, aparentemente, um livro de fragmentos (para Walter Benjamin o fragmento destapa a morte), Essas alegrias violentas já tinham aberto o caminho.
Todavia, o caminho não foi integralmente aproveitado e, afinal, os fragmentos não são fragmentos - mas pequenos poemas em prosa, como em Baudelaire. CC, em O vale da estranheza, retoma temas que vêm de trás: o tema da máscara, da persona, da marioneta (por onde anda o Monsieur Teste de Valéry, o Woyzeck de Büchner), o tema da doença capaz de alterar a percepção do corpo e do mundo. Enfim, estratégias outras para o confronto entre o eu e o tu (o consolador e o consolado), com ecos de Rimbaud: «Je suis un Autre».