20.10.11

Houellebecq: uma escrita neo-pop

Li as quatrocentas e tal páginas de La carte et le territoire (Flammarion, Paris, 2010) em menos de dois dias. E gostei. Porquê? Não sabia bem. Todavia, ao ler Andy Warhol de Arthur C. Danto (Yale University Press, New Haven & London, 2009) fez-se-me luz. Gostei do último romance de Michel Houellebecq (a única obra que li dele) por causa da sua escrita neo-pop. É o caso da minúcia na descrição das marcas de produtos de consumo: máquinas fotográficas, câmaras de vídeo, automóveis, etc. - e a inserção desses produtos em certas classes sociais. É o caso dos trabalhos de Jed Martin, a personagem principal: os óleos sobre a manufactura - em que a tela sobre a ascensão, no mercado de arte, da obra de Damien Hirst sobre a de Jeff Koons é destruída; as fotografias sobre (literalmente sobre) os guias Michelin; os vídeos finais. Há, aqui, evidentes analogias com o caminho tomado pela obra de Warhol. É, ainda, o caso da impessoalidade nas relações humanas (com o pai ausente, com a fugaz namorada, com o galerista, com a personagem Houellebecq - destaque para os jantares na véspera de Natal com o pai e da sua morte por eutanásia). E, por fim, um assassinato. O de Houellebecq. Como se fosse, diz a personagem principal, uma tela de Pollock, nome maior do expressionismo abstracto (New York School, 1940-50). Ora, se na história das artes visuais, a pop (1960) estabelece uma ruptura com o expressionismo abstracto, a personagem Houellebecq tinha que morrer. Quem a matou? O tal cirurgião plástico? O próprio Jed Martin? Responda quem souber...

2.10.11

La chanson du mal-aimé de Apollinaire e o modernismo

Talvez - quem sabe? - La chanson du mal-aimé (Apollinaire, Alcools, col. Poésie, Gallimard, Paris, 1972, pp. 17-32) seja um dos mais belos e importantes poemas do século XX. Como os dois poemas de Yeats de que falei atrás. Ou, já agora, e sem a mínima dúvida, a Ode Marítima de Álvaro de Campos, um dos heterónimos de Pessoa.

Na Chanson du mal-aimé seduzem-me, logo, estes versos quase iniciais: «Lorsqu'il fut de retour enfin / Dans sa patrie le sage Ulysse / Son vieux chien de lui se souvint / Près d'un tapis de haute lisse / Sa femme attendait qu'il revint». De facto, este regresso a casa, na impossibilidade mesma que tal regresso comporta (como o regresso da frente de batalha na I Guerra Mundial, onde Apollinaire foi gravemente ferido), situa-se apenas ao nível do lembrar e do esperar. E não podia situar-se a outro nível. A modernidade tinha começado a erosão das grandes narrativas - neste caso as narrativas de Homero.

Um esperar e um lembrar aqui presentes: «Mon beau navire ô ma mémoire / Avons-nous assez navigué / Dans une onde mauvaise à boire / Avons-nous assez divagué / De la belle aube au triste soir». Um esperar e um lembrar cujos contrapontos são navio e memória, beber e divagar, como em Campos. E, como em Campos, o poeta não abandona o cais. Espectador, como o foi também Baudelaire em Les fleurs du mal, esse indício primeiro do modernismo, resta-lhe este enunciado: «Beaucoup de ces dieux ont péri / C'est sur eux que pleurent les saules / Le gran Pan l'amour Jésus-Christ / Sont bien morts et les chats miaulent / Dans la cour je pleure à Paris».

À semelhança do cisne, do célebre poema de Baudelaire, que debica a secura do chão, nada mais resta, aqui, a não ser delírio, esterilidade, morte (como na guerra de 1914-18, mais uma vez): «Destins destins impénétrables / Rois secoués par la folie / Et ces grelottantes étoiles / De fausses femmes dans vos lits / Aux déserts que l'histoire accable».

Ora, é precisamente a partir deste «Aux déserts que l'histoire accable» que Apollinaire, como Yeats ou Campos, indica os caminhos da modernidade. Estávamos, neste caso, em 1913, data da primeira publicação em livro do poema. E Apollinaire já tinha, entretanto, escrito sobre o cubismo.