27.4.08

Em torno de 1900. A pulsão sexual (2): Gauguin, Matisse, Kirchner, Picasso - com ida a Manet

Olympia (1863) de Manet foi mal recebido no Salon de 1865. E o que agrediu mais os espectadores, pelo menos aparentemente, foi a sexualidade transbordante da figura feminina que, fixando o espectador, lança um convite impiedoso, que o gesto de esconder o sexo sublinha. Poucos falaram, então, da falta de profundidade do trabalho, da flatness que anunciava a modernidade. Porque, de facto, era isso que aturdia o espectador, era isso que era diferente de Giorgione (Vénus adormecida, c. 1510) ou de Ticiano (Vénus de Urbino, 1538) ou de Goya (La maja desnuda, c. 1800), era isso que era diferente da pintura de género.

Três outros trabalhos hão-de vir a dialogar com Olympia. Um de Gauguin (Gauguin, em 1890-1, fez uma cópia de Olympia): The Spirit of the Dead Watching (Manao Tupapau), 1892. Outro de Matisse: The Blue Nude: Souvenir of Biskra, 1907. Outro de Kirchner: Girl under a Japanese Umbrella, 1909. Eventualmente, há mais um trabalho que dialoga com Olympia: Les demoiselles d'Avignon (1907) de Picasso.

Sabe-se que quatro pintores de oitocentos influenciaram decisivamente novecentos: Seurat (com os efeitos ópticos), Cézanne (com a estrutura pictórica), van Gogh (com a dimensão expressiva da pintura) e Gauguin (com o potencial visionário). Mas, apesar de tudo, aparentemente Gauguin marcou mais com o facto de ser o pai do "primitivismo" moderno, estabelecendo uma ponte com a vocação romântica do artista visionário em busca de culturas tribais. Retorno à origem, fuga para a natureza e libertação do instinto foram as marcas do "primitivismo" moderno. Destinos tomados? Oceania e África. Expressionistas alemães como Nolde ou Pechstein (que foram para o Pacífico sul influenciados por Gauguin), Kirchner ou Heckel foram ao encontro da vida primitiva. Outros, como Matisse e Picasso, foram ao encontro das formas e dos motivos da arte tribal africana. Assim, se em oitocentos, caso dos Pré-Rafaelitas, os românticos viajaram dentro do Ocidente ao encontro da arte medieval, o "primitivismo" moderno viajou fora do Ocidente para fugir às convenções académicas e às marcas que realismo, impressionismo e neo-impressionismo tinham deixado (temas modernos, problemas meramente perceptivos). Por isso mesmo, para Gauguin, o primitivo era sinónimo de puro e o europeu sinónimo de corrupto: «tudo está putrefacto, até os homens, até a arte», escreveu. Esta rejeição do realismo e esta crítica romântica do capitalismo encontraram eco no expressionismo.

É certo que este trabalho de 1892 de Gauguin dialoga com a pintura de história e com Manet. Mas, à actividade da figura de Manet opõe-se a passividade da figura de Gauguin. Como o que ressalta da figura de 1907 de Matisse é o excesso - que o levou a dizer, até, que fugia se encontrasse na rua uma mulher como aquela. Do trabalho de 1909 de Kirchner fica o "japonesismo". Disse um dia Picasso: «van Gogh tinha as estampas japonesas, nós temos África». De facto, ao impulso do modernismo (Manet) parece opôr-se o abandono do "primitivismo" moderno (Gauguin). Como à força (Matisse) parece opôr-se o décor (Kirchner). Como, por fim, surge um outro sintoma: o exorcismo (Picasso) - para Picasso, Les demoiselles d'Avignon foram a sua «primeira pintura de exorcismo». Que exorcismo? O do cubismo?

Bibliografia: id.

21.4.08

Em torno de 1900. A pulsão sexual (1): a Secessão vienense

Em 1897, Klimt e os arquitectos Olbrich e Hoffmann, entre outros, entraram em ruptura com a Academia de Belas Artes. Desta ruptura surgiu a Secessão vienense, que evidenciava pontos de contacto com a art nouveau e com o Jugendstil.

Em 1900, em Viena, Freud publica A interpretação dos sonhos, onde defende que a vida psíquica interage com a sexualidade. Ora, é precisamente do inconsciente que falam Klimt, Schiele, Kokoschka, nomes da Secessão vienense, cuja divisa era: «A cada idade a sua arte, a cada arte a sua liberdade».

Todavia, a Secessão vienense foi recusada pelo poder. A academia e o estado opuseram-se-lhe. Por outro lado, o império austro-húngaro tinha entrado em colapso. Dupla orfandade, pois. Daí Schorske falar de «uma crise da cultura caracterizada por uma ambígua combinação de uma revolta edipiana colectiva e de uma narcísica procura de um novo eu». Mas, não era só a recusa por parte do poder que era sintomática. O movimento também estava dividido internamente. Klimt, por exemplo, seguia um estilo entre a figuração e a abstracção, entre a malaise finissecular e a joie de vivre dos princípios de novecentos. Em contrapartida, Schiele e Kokoschka, deixando os motivos da art nouveau, viraram-se para os pintores pós-impressionistas e para os pintores simbolistas. E se Klimt e Kokoschka exploraram a relação recíproca entre sadismo e masoquismo, Schiele explorou um outro par, igualmente freudiano: o voyeurisme e o exibicionismo. De notar ainda que, como noutras capitais, as retrospectivas de van Gogh e Gauguin, de Munch e Hodler foram importantes. E foram importantes porque contribuíram para pôr a nu uma morbidez neurótica, entre a vida e a morte.

Bibliografia: id.